quarta-feira, 17 de junho de 2009

Ordem no sopão para pobres causa polêmica entre voluntários


Religiosos e caridosos que distribuem comida a moradores de rua rechaçam proposta da Prefeitura do Rio de só fazê-lo em abrigos

Amanda Pinheiro e Ricardo Villa Verde

Rio - Integrantes de instituições religiosas e de caridade que distribuem pratos de comida ou sopa para pessoas carentes nas ruas do Rio reprovam a decisão do secretário da Ordem Pública, Rodrigo Bethlem, de desestimular a oferta em vias públicas. "Se a gente não der mais, as pessoas que estão nas ruas vão ficar famintas e teriam só duas alternativas: catar no lixo ou roubar", disse o pastor Jairo Batista, diretor no Rio da Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (Adra), vinculada à Igreja Adventista do Sétimo Dia. A Adra distribui sopas todas as noites de quarta-feira para os sem-teto perto da estação ferroviária de Campo Grande. Segundo o pastor, são atendidas mais de 200 pessoas.

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Conforme o 'Informe do DIA' mostrou ontem, Rodrigo Bethlem, o xerife da ordem pública no Rio, quer evitar a distribuição de sopas em áreas comuns. Ele quer estimular as pessoas que fazem a caridade a dar a comida em abrigos da prefeitura. Para o secretário especial de Ordem Pública, o trabalho ajuda a concentrar população de rua em algumas áreas e não soluciona os problemas enfrentados pelos mendigos.

Ontem, Bethlem voltou atrás e disse que sua intenção não é acabar com a distribuição de sopas nas ruas. "A ideia não é proibir ninguém de fazer caridade", garantiu o secretário. Ele disse que vai se reunir, semana que vem, com representantes de entidades que fazem o trabalho. "O que a gente quer é dar o mínimo de organização para esse pessoal que faz distribuição", justificou Bethlem. Sua intenção é atrair as instituições para os abrigos municipais, para que as pessoas beneficiadas também sejam atendidas por assistentes sociais e psicólogos.

Segundo o secretário de Assistência Social, Fernando William, que apoia a ideia de Bethlem, até o mês que vem o Município vai abrir um novo abrigo, em Jacarepaguá. A unidade terá capacidade para atender até 40 famílias. O secretário disse ainda que 200 novas vagas em hotéis populares foram abertas pela prefeitura só esse mês.

NA RUA PARA NÃO PERDER O SOPÃO

O principal argumento de Bethlem é que o oferecimento de sopas estimula as pessoas a permanecer nas ruas: "Muitos se recusam a seguir para os abrigos porque não querem perder a hora do sopão". Ele contou que, há três meses, em uma operação do Choque de Ordem na Avenida Presidente Vargas, no Centro, grupo de moradores de rua que já havia sido recolhido saiu da Kombi da secretaria ao saber que chegaria o sopão.

Levantamento da Secretaria Municipal de Assistência Social indica que a Praça Saens Peña, na Tijuca, e a Avenida Nossa Senhora de Copacabana estão entre os pontos de maior aglomeração de moradores de rua, porque esses são locais preferidos para doação de alimentos e roupas por quem faz caridade. Já no Centro, a concentração é nas imediações do cruzamento das avenidas Presidente Vargas e Rio Branco, na Praça da Cruz Vermelha e nos Arcos da Lapa.

Priscila Carneiro Ferreira, 20 anos, está nas ruas há dois meses, depois de ter tentado voltar para a casa da avó em Sepetiba. Ela é uma das beneficiadas pela sopa distribuída há quase 10 anos, às segundas-feiras e sextas-feiras, na Praça da Cruz Vermelha, por Delclemis Ferraz Dias, do Comitê Fraternidade Sol. "Sem esta sopa eu não teria o que comer", conta a jovem, que já deixou a casa da avó várias vezes para morar na rua. Morador de rua há 16 anos, Cosme Santos de Oliveira, 40 anos, chegou atrasado ontem e perdeu a sopa doada por Delclemis. "Agora não vou ter o que comer", lamentou ele.

Mendigos concentrados em 4 bairros

Levantamento realizado pela Secretaria Municipal de Assistência Social mostra que a maior concentração de moradores de rua está no Centro, na Tijuca e nos bairros de Botafogo, Flamengo, Catete, Largo de Machado e Laranjeiras.

Em 2008, 838 pessoas viviam nesses pontos, 158 delas só na Avenida Presidente Vargas, no Centro. Em toda a cidade, eram 1.906 pessoas nessa situação, em comparação às 1.932 de 2007 e às 1.682 em 2006. Apesar da aparente estabilidade do número de moradores de rua no último ano, houve aumento nos bairros do Flamengo, Centro, Madureira e Tijuca.

Outro resultado da pesquisa foi o crescimento de 40% em número de mulheres que vivem na rua. O dado positivo é que o número de crianças ao relento está em queda: em novembro de 2008 eram só 3% da população sem-teto do Rio.

Segundo o secretário Fernando William, as secretarias devem se reunir com os representantes das entidades que fazem caridade: "Não vamos impedi-los de alimentar essas pessoas. Mas gostaríamos de contar com a solidariedade deles para tirá-los da rua e oferecer mais assistência".

Comida de graça divide Praça do Lido

Na Praça do Lido, em Copacabana, a intenção da prefeitura de desestimular esse tipo de caridade divide moradores. Tania Mara Gonçalves, 63, é favor da medida: "Enquanto estiverem alimentados, nunca irão para os abrigos". Cissa Nunes, 60, rebate: "Eles estão lá porque faltam ações eficazes da prefeitura. Sou contra o fim da caridade".

FISCAIS DE CALÇADAS

As subprefeituras fazem hoje operações em vários bairros do Rio para fiscalizar o estado de conservação das calçadas. Donos de lojas, síndicos de condomínios e proprietários de casas terão de reparar calçadas em mau estado localizadas em frente a seus imóveis. Eles terão 30 dias para melhorá-las. Se ignorarem a ordem, podem pagar multa de até R$ 228,94. Se o problema for mais grave, como ocupação indevida do espaço, a infração pode pode custar até R$ 2.289,40.

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