terça-feira, 5 de maio de 2009

Infectologista fala sobre o vírus que pode se tornar uma pandemia e dá orientações sobre regime alimentar saudável

Nas últimas semanas, a atenção do mundo se voltou para a gripe suína, que surgiu no México, atingiu os Estados Unidos, Ásia, entre outros locais e já matou dezenas de pessoas. Mas, o que é a gripe suína? Para conhecermos um pouco mais sobre o vírus e sabermos o que fazer caso sejamos contaminados, o doutor Dorival Duarte de Lima, Infectologista e diretor clínico do Hospital Adventista de São Paulo, em entrevista, responde:

APS: O mundo todo  está falando em gripe suína, mas em que ela consiste realmente?

Dr. Dorival: A gripe suína consiste em um processo infeccioso produzido por um vírus Influenza, caracterizada por febre elevada, cefaléia severa, dores musculares e articulares difusas, e manifestações respiratórias, como dor orofaríngea e tosse.

APS: O que é o vírus H1N1?

Dr. Dorival: O vírus H1N1 é um vírus Influenza que pertence a uma família de vírus chamada Orthomyxoviridae. Existem 3 tipos diferentes do vírus, o Vírus Influenza A, o Influenza B e o Influenza C. O vírus Influenza A se caracteriza por possuir subtipos, que são originados a partir de uma série de estruturas antigênicas, usualmente proteínas em sua superfície, sendo as  principais chamadas de Hemaglutininas e Neuraminidases. Existem 15 diferentes Hemaglutininas, numeradas de 1 a 15, às quais chamamos de H1 até H15, e 9 neuraminidases, classificadas de N1 até N9.

Desta forma, um subtipo do vírus Influenza A será classificado dependendo das estruturas antigênicas que combinarão suas hemaglutininas e neuraminidases em sua superfície, dando assim as combinações alfa-numéricas que caracterizam o tipo do vírus. A chamada "gripe suína", então,  é  produzida pelo Vírus Influenza A que contém em sua estrutura externa os antígenos 1 das Hemaglutininas e o antígeno 1 das Neuraminidases, foneticamente expressa como H1N1.

O vírus Influenza A infecta uma série de espécies, que incluem  o homem, mas ademais do homem, outros animais, como os cavalos, os porcos, mamíferos marinhos, e de forma especial aos pássaros. A infecção, no caso da pandemia, isto é, uma epidemia que rompe fronteiras, iminente que vivemos, deve sua origem à aquisição pelo homem do H1N1 a partir dos suínos, com propensão de disseminação inter-humanos.

APS: Apesar de a gripe ser chamada de suína, o mercado que comercializa este tipo de carne, assim como a Organização Mundial da Saúde, garantem que o vírus não é transmitido pela ingestão do animal. É isso mesmo?

Dr. Dorival: Sim, efetivamente, a transmissão do vírus ocorre primariamente pela via inalatória, isto é, pelo trato respiratório. Assim, a ingestão da carne dos suínos, preparada de forma assada ou cozida, não representa risco de infecção.

APS: Como é o contágio?

Dr. Dorival: A aquisição inicial da infecção, uma vez adquirida a partir dos animais, e neste caso o porco, é transmitida em primeira instância pela via aérea. Ou seja, uma pessoa infectada, ao tossir ou espirrar gera partículas em aerossol, e estas partículas inaladas por uma pessoa susceptível, induzirá à infecção do trato respiratório, com repercussão sistêmica.

Vale frisar que o período de incubação do vírus Influenza é curto, entre um e três dias, após o qual o paciente começa com as manifestações clínicas, que são febre usualmente acima dos 39 graus, dor de cabeça muito grave, dores musculares e articulares, e sintomas respiratórios, como tosse, dor na orofaringe. Se o quadro progride para a pneumonia viral, então falta de ar é agregada, podendo levar à insuficiência respiratória e até à morte.
APS: Qual o método de tratamento?

Dr. Dorival: Pessoas com os sintomas acima, provenientes de ou que haja tido contato com uma pessoa que provenha de uma área onde haja transmissão ativa do vírus, deve procurar atenção médica imediatamente. Diante da suspeita do caso, o paciente deve ser colocado em isolamento respiratório, para evitar a disseminação da infecção. Existem duas drogas antivirais que têm atividade contra o vírus Influenza H1N1, uma chamada Oseltamivir e a outra Zanamivir, que devem ser administradas nas primeiras 72 horas desde o aparecimento dos sintomas.

APS: A atual vacina da gripe tem algum efeito preventivo neste caso ou não?

Dr. Dorival: A atual vacina contra o vírus Influenza, com a qual nos encontramos no período de administração nestes dias aqui no Brasil, é preparada a partir de amostras do vírus Influenza obtido de diferentes países do mundo, e é preparada com base nos vírus Influenza que circularam e produziram infecção na população na estação anterior.

Infecções pelo vírus Influenza ocorrem de forma primordial nos meses de outono e inverno nos países temperados e frios. Nos países tropicais, ainda que agravada no inverno, os casos de Influenza tendem a ocorrer durante todo o ano. Desta forma, a vacina atual, é preparada com base nos determinantes antigênicos do vírus influenza que circulou no inverno passado, e tem eficácia para os determinantes antigênicos contra os vírus daquele então.

A vacina atual não tem ação contra o H1N1 que está na iminência de produzir a pandemia que nos ameaça atualmente, não é uma saída para a gripe suína. Isto significa que a vacina da gripe que, temos hoje, tem efeito sobre os vírus influenza do ano passado, pois as vacinas são feitas baseadas no vírus do ano anterior. A vacina para a gripe suína ou H1N1 levará meses ainda para ser produzida disponibilizada.

APS: Existe alguma relação entre o que uma pessoa come e a propensão para determinadas doenças? A gripe suína, por exemplo, afeta pessoas com imunidade mais baixa. Neste caso, há alguma relação com o estilo de vida alimentar?

Dr. Dorival: Esta é uma pergunta muito interessante, porque existe uma série de doenças que são adquiridas pelo homem a partir do contato ou da ingestão de determinados produtos de origem animal. Estamos abordando o problema atual do risco iminente de uma pandemia pelo H1N1, esta subespécie infectando o homem a partir do contato com os suínos.

Neste contexto, notícias recentes nos dão conta que o Egito há determinado a morte dos porcos daquele país. Curiosamente isto nos remonta à época posterior ao êxodo dos israelitas do Egito, quando Moisés transmitiu importantes princípios alimentares para o seu povo, e em relação à carne de porco, o imperativo divino era dela não comer, e nem sequer tocar no seu cadáver. Contudo, existem outras doenças importantes que são transmitidas pela carne deste, e de outros animais, mas, sobretudo, pela carne do porco.

Somente para mencionar, existe uma doença chamada cisticercose, que se obtém pela ingestão da carne mal cozida dos porcos, e que produz manifestações clínicas importantes, especialmente no sistema nervoso central, ou seja, no cérebro. Outra doença comumente adquirida pela ingestão das carnes mal cozidas é a toxoplasmose.

Grupos que têm regime alimentar equilibrado e saúde:
Dr. Dorival: Permitam-me citar um grupo populacional que vem sendo bastante estudado nas últimas décadas, os Adventistas do Sétimo Dia. Curiosamente, eles estão entre as populações mais longevas da terra. Estudos científicos, solidamente embasados, nos dão conta que eles vivem em média 10 anos a mais que a população em geral.

Refiro-me a estudos conduzidos nos Estados Unidos e em outros países do primeiro mundo, pois ainda não dispomos de estudos sólidos, neste sentido, nos países em desenvolvimento. No entanto, tenho a impressão que seriam replicáveis também em nosso país e outros países emergentes.

Apenas para fazer uma ou duas menções, um estudo conduzido pela Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e publicado no American Journal of Medicine and Hygiene, há dez anos, constatou que os Adventistas do Sétimo Dia tinham prevalência para a toxoplasmose 50% menor que a da população norteamericana em geral; isto atribuído a seu estilo de vida incluindo seus hábitos alimentares, já que eles são predominantemente ovolactovegetarianos, ademais de absterem-se de qualquer tipo de drogas, tabagismo e qualquer tipo de bebidas alcoólicas.

Ainda neste contexto, brevemente citando, vale a pena recordar que as duas principais causas de morte no mundo são as doenças cardiovasculares em primeiro lugar, seguidas das doenças neoplásicas e os cânceres em geral.

Apenas citando um exemplo de estilo de vida e as doenças cardiovasculares, das quais um predecessor importante é a diabetes; assim como no ano de 1985 foi publicado no American Journal of Public Health um estudo de 21 anos de seguimento, que evidenciou que os Adventistas tinham um risco cerca de 50% menor que a população norteamericana para o desenvolvimento de Diabetes Mellitus, havendo sido tomado em conta seu estilo de vida. Consequentemente, menos diabetes, menor o risco de doença cardiovascular.

Por último, ainda no contexto do uso das carnes como alimento, ademais do fator contribuitório para as dislipidemias, como o aumento do colesterol e seu impacto na gênese das doenças cardiovasculares, o consumo de carne, especialmente vermelha, guarda relação estreita com a origem do câncer de cólon, ou intestino grosso.

Mencionando um outro estudo, talvez um dos mais contundentes sobre este tema, foi publicado no prestigioso jornal médico New England, o acompanhamento de 88.751 mulheres sobre um período de vários anos, considerando a ingestão de carne vermelha por elas.

Foram consideradas carne de boi, porco e cordeiro, estratificando a ingestão deste alimento a partir de uma vez por mês ou menos, até o consumo diário ou mais de uma vez por dia. A conclusão do estudo foi que as mulheres que ingeriam este tipo de alimento uma ou mais vezes por dia comparado com aquelas que o faziam apenas uma vez por mês era 149 vezes maior para o desenvolvimento do câncer de cólon.

Ainda que o estudo haja sido conduzido em mulheres, não veríamos razões para que pudesse ser diferente com a população masculina. Por tanto, falando-se de saúde, em todos os seus aspectos, mais vale prevenir que remediar.

Sobre Dorival Duarte de Lima:

Graduado em Medicina pela Universidade de Montemorelos, no México, com curso revalidado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Residência em Infectologia pelo Instituto Nacional de Ciências Médicas e de Nutrição Salvador Zubirán e pela Universidade Nacional Autônoma do México. Especialista em Infectologia pela Sociedade Brasileira de Infectologia. Mestre em Ciência pela Faculdade Federal de São Paulo. Professor anual da Universidade de Medicina de Montemorelos, no México. Diretor clínico do Hospital Adventista de São Paulo.

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